ELEIÇÃO EM SÃO MATEUS JÁ FOI DECIDIDA EM NOVA VENÉCIA
O escritor Maciel de Aguiar, conhecedor da história política de São Mateus, fala sobre as eleições para prefeito da cidade em 1947.
JN – Esta semana, as redes sociais publicaram um recorte do jornal A Tribuna, de 6 de dezembro de 1947, com o resultado do pleito para prefeito de São Mateus com uma diferença apertada. O que aconteceu?
Maciel – Aquelas eleições foram as mais emblemáticas e disputadas na história política de São Mateus.
JN – E quem venceu?
Maciel – Não ”venceu”, mas foi proclamado vencedor o empresário Otovarino Duarte Santos, fundador do Café Duarte, além de um dos precursores da estrada de São Mateus a Guriri.
JN – E quem perdeu?
Maciel – Também não ”perdeu”, mas foi considerado derrotado Arnaldo Bastos, ex-deputado estadual, ex-diretor da Receita Estadual e ex-titular do Cartório do Primeiro Ofício.
JN – O que fez a diferença ser pequena?
Maciel – Foi uma disputa feroz entre PSD e UDN.
JN – E o que aconteceu?
Maciel – Um fato inédito definiu a, digamos, ”vitória” de Otovarino Duarte Santos, e este fato ocorreu em Nova Venécia!
JN – Como?
Maciel – Nova Venécia ainda pertencia a São Mateus e a possibilidade de Arnaldo Bastos vencer naquela seção eleitoral era grande, pois ele tinha o apoio de Wantuil Rodrigues da Cunha, um fazendeiro muito influente na região, filho do Barão dos Aymorés e irmão de Eleozzipo Rodrigues da Cunha, seu adversário político.
JN – E os votos de Nova Venécia definiram as eleições?
Maciel – Sim!
JN – E como foi?
Maciel – O PSD precisava ganhar no mais importante colégio eleitoral depois da capital. E São Mateus havia gerado quatro governadores do Espírito Santo, políticos influentes, juízes, desembargadores, etc. Além disso o empresário mateense, Eleozzipo Rodrigues da Cunha, filho do Barão dos Aymorés, era dono do jornal A Gazeta, do estaleiro que construía navios de carga no Porto de São Mateus e candidato a vice-governador.
JN – São Mateus era muito importante?
Maciel – Quando Linhares era apenas um curral, onde os comerciantes de gado pernoitavam para a travessia do Rio Doce e existia apenas uma rua com umas casinhas de estuque, São Mateus era considerada a maior e mais importante cidade do interior do Estado e detinha um grande poder econômico, cultural, social e político no Espírito Santo.
JN – E como os votos de Nova Venécia decidiram essas eleições?
Maciel – Um cidadão que se afamou como um temido matador e por fechar a tiros os cabarés do Porto de São Mateus, conhecido como Tintino Rosa, ao chegar após o horário de votação e não poder votar, deu vários tiros na urna eleitoral. Mas, possivelmente, foi a mando!
JN – E ele foi preso?
Maciel – Ninguém tinha coragem para prender Tintino Rosa. Era um homem corajoso, valente e tinha relações políticas com os poderosos caciques do PSD da capital.
JN – E como ficou?
Maciel – Quando os mesários chegaram em São Mateus, trazendo a urna perfurada a tiros e lacrada, o juiz a encaminhou ao Tribunal de Justiça, em Vitória, para decidir sobre a validação ou não dos votos.
JN – E esta urna foi levada para Vitória?
Maciel – Sim! E a viagem era feita de navio e os dois grupos políticos antagônicos de São Mateus não puderam acompanhar a urna, digamos, ”baleada”.
JN – E sem os votos desta urna qual era a diferença?
Maciel – Era de 62 votos a favor de Arnaldo Bastos.
JN – E como mudaram o resultado?
Maciel – Em Vitória, o PSD dominava a Polícia, a imprensa e o Judiciário. Então, foi realizada uma reunião fechada no Tribunal de Justiça para abrir a ”urna baleada” e sem a presença dos candidatos e ou dos seus advogados.
JN – Com isto, o resultado final foi alterado?
Maciel – Sim! A seção eleitoral de Nova Venécia deveria ter uns 200 eleitores e Arnaldo Bastos, que estava com 62 votos de vantagem, além do apoio de Wantuil Rodrigues da Cunha, a diferença seria muito maior. Mas, após a ”apuração secreta da urna baleada”, Arnaldo Bastos ficou com 108 votos em desvantagem para Otovarino Duarte Santos, do PSD, que foi declarado prefeito de São Mateus.
JN – Mudaram o resultando da eleição?
Maciel – A bem da verdade foi um roubo escandaloso, embora Otovarino Duarte Santos fosse um homem digno, honesto e trabalhador. E ele não teve participação neste episódio.
JN – E ambos aceitaram o resultado?
Maciel – Sim! Arnaldo Bastos, a UDN até recorreu, mas quem mandava no Judiciário era o PSD.
JN – Então, a eleição para prefeito de São Mateus foi decidida em Nova Venécia?
Maciel – Sim! Na seção de Nova Venécia, Otovarino Duarte Santos teve 176 votos e ficou com 1.974 votos no final contra 1.866 votos de Arnaldo Bastos que recebeu nesta mesma seção eleitoral apenas seis votos.
JN – E como foi a administração de Otovarino Duarte Santos?
Maciel – Ele pacificou a cidade, não era perseguidor e fez uma boa administração.
JN – E ”derrotado”?
Maciel – Arnaldo Bastos, em seguida, foi eleito Deputado Estadual e deu o troco. É de sua autoria uma Lei Eleitoral, em vigor em todo país, que proíbe atos públicos e nomeação e demissão de servidores três meses antes das eleições. Arnaldo Bastos viveu uma vida digna e se converteu em uma reserva moral da cidade.